quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O Sr. Zé padeiro... acho que tinha conta no BES!

A propósito de algumas comparações descabidas que têm sido feitas acerca do "banco bom" e do "banco mau", e do facto de os aciostas terem sido "expropriados" da parte boa do banco, resolvi criar uma pequena história para ver se percebem o que se está realmente a passar.

O senhor Zé tinha uma padaria muito rentável no bairro onde morava.Como o negócio ia de vento em popa, o Sr. Zé viu ali uma oportunidade legítima de crescimento, arranjou uns amigos que entraram também com algum dinheiro e criaram uma empresa que geria não só essa padaria mas mais algumas que entretanto abriram noutros locais. Para potenciar a coisa resolveram abrir outros negócios complementares, como cafés e restaurantes. Os outros negócios não tinham, nem de perto nem de longe, a mesma rentabilidade que a sua padaria, mas não fazia mal, no geral os lucros aumentaram porque o volume de negócios era muito maior.  Havia apenas um pequeno problema,  o Sr. Zé estava a perder o controle sobre tudo, já ra difícil gerir a padaria quanto mais tudo o resto que entretanto foi sendo criado.

E chegou a crise. Os negócios que já não davam grande coisa ficaram ainda piores, os que eram bons davam menos e não conseguiam já pagar os prejuízos dos primeiros. Mas há que ter esperança, isto vai acabar por melhorar. Entretanto as dívidas a fornecedores aumentavam, o dinheiro da padaria que, embora já estivesse longe de dar os rendimentos de outros tempos, ia chegando para tapar alguns dos buracos e manter os negócios abertos. Aos amigos que tinham colocado o dinheiro nos negócios, o Sr. Zé ia dizendo que estava tudo bem, que os momentos não eram fáceis mas que estava tudo controlado e não tardaria muito a que a coisa voltasse aos lucros consistentes. Contava também com a preciosa ajuda do contabilista responsável pelas contas da empresa, que escondia algumas dívidas e créditos incobráveis, Por exemplo, continuavam a aparecer nas contas um montante significativo de uma dívida às padarias de uma conhecida cadeia de restaurantes, que entretanto até já tinha falido, ou seja, eles já deviam ter reconhecido aquele prejuízo, já que nunca mais iriam recuperar aquela dívida.

Para tapar mais alguns buracos o Sr. Zé foi pedindo emprestado a alguns clientes e amigos aos quais prometeu juros acima da média. O negócio parecia sólido, o contabilista assegurava as contas, era dinheiro em caixa para estas pessoas.

Até que a situação complicou-se, o Sr. Zé reuniu os amigos e, em vez de lhes contar claramente o que se passava, disse-lhe que a situação estava muito melhor, que os lucros estavam de volta mas seriam ainda maiores se injetassem algum dinheiro na empresa, para as coisas serem mais rápidas Além disto o contabilista também lhe tinha dito que havia "uns rácios, ou lá o que era, que deveriam ser repostos, enfim apenas coisas de contabilistas, porque o negócio, esse está de novo em grande pujança", ajudado também por alguma recuperação económica que já se sentia. Os amigos foram na conversa do Zé (agora já não lhe chamo senhor), afinal até o contabilista assegura as contas e o estado da empresa. "O tipo pertence lá á Ordem dos técnicos Oficiais de contas, ou lá o que é, está obrigado a transmitir a verdade sobre a empresa e a fiscalizar tudo, ele não nos ia enganar, e se é para isto melhorar ainda mais depressa mais ganhamos"!

Esta foi uma última tentativa do Zé para salvar a situação, infelizmente ela estava já condenada ao fracasso, os negócios estavam maus de mais para se poder dar a volta ao que quer que seja. Os cafés e restaurantes foram os primeiros a falir. A seguir vieram as outras padarias, até ao ponto em que ficou apenas a padaria inicial, aquela que aparentemente só podia dar lucros pois continuava a ter muitos clientes e a funcionar muito bem.

O problema é que esta padaria também tinha agora muitos buracos, a maioria dos quais relacionados com os restantes negócios que entretanto tinham aberto e que tinham falido. O contabilista apercebeu-se então de que o Zé tinha feito uma série de aldrabices, que tinha dado a padaria como garantia para uma série de empréstimos para os outros negócios, que já não pagava a alguns fornecedores, e que tinha alguns dos créditos que tinha apresentado afinal não valiam nada. Munido dos poderes que lhes são conferidos o contabilista retirou o Zé da gestão da empresa e nomeou outra pessoa externa para o fazer. Foram feitas uma série de avaliações à empresa e, como se previa, havia ainda mais problemas, era preciso ainda muito mais dinheiro para salvar a padaria, dos outros negócios já nem valia a pena falar, porque esses já eram. 

Obviamente que os amigos que tinham investido tanto dinheiro no negócio ruinoso tinham perdido toda a confiança no Zé, não estavam agora dispostos a meter nem mais um tostão na padaria, quanto mais aquilo que o novo gestor lhes estava a dizer que era preciso. Ou seja, a padaria, tal como os outros negócios, estava falida!

Entretanto aparece alguém que apresenta uma solução que visava salvar alguma coisa, aquilo que ainda tinha valor. Reuniu com os amigos do Zé que tinham investido nos negócios e disse-lhes o seguinte: "Como ninguém está interessado em meter o capital que é necessário para salvar a padaria, eu entro com esse capital em nome do Sindicato dos Padeiros, cobro apenas um juro anual de 3%. Vocês ficam com todos os outros negócios e vejam lá se conseguem recuperar alguma coisa. Tentem recuperar alguns créditos sobre clientes, tentem vender os espaços por alguma coisa e o dinheiro que conseguirem arrecadar ficam com ele, ou melhor, não ficam porque, por Lei, aquelas pessoas que emprestaram dinheiro ao Zé têm direito de preferência, só depois de pagarem a esses é que ficam com o dinheiro para vocês. Entretanto recupera-se a padaria e dqui a algum tempo tentamos vendê-la, de preferência por um preço superior ao dinheiro que lá vou meter. Caso haja prejuízos na venda da padaria o Sindicato dos Padeiros terá de os assumir, caso contrário a imagem que sai cá para fora prejudica todas as padarias e isso a eles também não lhes interessa. De qualquer forma, é assim que as coisas funcionam, agora estamos na UE temos de fazer o que eles mandam. Se a venda da padaria der lucro, este será canalizado para vocês, e devem seguir a ordem já referida, primeiro pagam às pessoas que emprestaram dinheiro ao Zé, e se sobrar alguma coisa, ficam vocês com ele"!

E foi assim que foi feito... já agora, eu conheço um caso real mais ou menos idêntico, que se passou há uns anos, não com padarias mas com lojas de desporto. Nesse caso apenas o desfecho foi diferente, não se salvou nenhuma loja, nem a primeira que era um sucesso estrondoso!

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Imaginem...

A bolsa portuguesa está em queda livre, com a banca a liderar claramente. O retirar do BES de negociação parecia poder estancar as quedas mas conseguiu fazê-lo apenas na sessão seguinte à comunicação da solução adotada.

Imaginem que as quedas da banca continuam fortes durante algumas sessões. Esperemos que isso não aconteça, é mau de mais para o país mas, porque interessa agora para o racioncínio que vou fazer, imaginemos que isso vai acontecer. Ao fim de uns dias será inevitável que alguém com "responsabilidade" venha dar a cara e acalmar os mercados. Quem é a pessoa indicada para o fazer? Esse mesmo em que estão a pensar, o Sr. Carlos Costa, governador do Banco de Portugal.

Imaginem agora o caricato da situação. O Sr. Costa na TV a dizer que está tudo bem com o BCP, BPI, e os outros, que esses bancos "estão sólidos", que "não há qualquer problema" pois os bancos estão "suficentemente capitalizados" e têm até "almofadas de capital suficientes para acomodar possíveis perdas". Pois, exatamente o mesmo que disse em relação ao BES, duas semanas antes dele mesmo apresentar publicamente a solução que passava pela falência deste.

Alguém ainda acha que este senhor tem condições para se manter no cargo?!

domingo, 3 de agosto de 2014

BES - Hoje é um dia histórico, pelos piores motivos.

Hoje, pela primeira vejo investidores a perderem tudo o que investiram numa determinada ação, neste caso, no BES.  Decidi voltar a escrever aqui no blogue exatamente para deixar aqui algo para a posteridade, algo que possa servir de exemplo a muitos que no futuro venham a decidir investir em ações.

É mesmo verdade, um título que ainda há pouco mais de um mês valia mais de um euro por ação, que há cerca de uma semana valia cerca de 35 cêntimos, vai desaparecer da bolsa e deixar sem nada os seus acionistas, alguns dos quais terão adquirido este estatuto apenas nos últimos minutos em que os títulos negociaram, por volta das 15:42h de sexta feira passada, dia 1 de agosto. Um título que representa uma empresa com mais de um século de história, mas mais importante que isto, uma empresa que ainda há bem pouco tempo era o maior banco privado deste país! É verdadeiramente incrível!

Costumo dizer, a todos os que se estão a iniciar nos mercados de capitais, que devem meter desde logo na cabeça que, por mais que por vezes pareça fácil, investir na bolsa é muito perigoso e muito difícil e que devem sempre considerar a possibilidade de perder tudo. Mas nunca esta palavra "tudo" teve um significado tão verdadeiro. Nem eu o imaginava desta forma, quando o escrevia, fazia-o em sentido teórico, não imaginando que pudesse ser tão real.

Não quero deixar de falar dos aspetos da regulação, como é que foi possível isto acontecer depois de tudo o que já aconteceu recentemente, sobretudo nos casos BPN e BPP?! Somos incapazes de aprender com os erros? Somos incompetentes? Por falar em incompetência, como é que o governador do banco de Portugal continua no cargo depois de, há cerca de três semanas, ter dado garantias de que o BES estava "sólido", de que havia uma almofada financeira de 2,1 mil milhões de euros que era mais do que suficiente para acomodar todos os eventuais prejuízos que houvesse, e que até havia investidores privados interessados em recapitalizar o BES, se isso fosse necessário. Bom, eu vi este mesmo homem há umas horas atrás a dizer tudo ao contrário, que aconteceram fraudes que não são possíveis de detetar, que afinal o BES está muito pior do que pensavam e já não há privados interessados! Como é possível que este homem ainda se mantenha no cargo? como é que este homem pode continuar a ser o responsável por transmitir confiança a toda a gente, como tentou fazer no final do mesmo discurso de há poucas horas, onde disse que era incapaz de garantir o que quer que seja?! Resta-nos a esperança de que seja capaz de colocar atrás das grades, aqueles que diz que praticaram as fraudes, aqueles que o enganaram, que o traíram, que praticaram os atos que não são possíveis de detetar. Temos essa esperança, mas sobretudo, temos de ser capazes de o exigir, seja como for, custe o que custar!

Queria deixar uma palavra de conforto aos acionistas do BES, já agora aos obrigacionistas também, embora eu ache que no caso destes ainda há alguma esperança de recuperarem parte do investimento. Não devem ser fáceis estes momentos, mas de uma coisa tenho a certeza, um dia, alguns deles, ainda vão pensar que pode ter sido a melhor coisa que lhes aconteceu, tais os ensinamentos que lhes proporcionou.

Na boa das verdades, em termos de volume de perdas, este caso BES é até menos grave do que outros que já vivemos no passado recente. O BCP chegou a valer 17 mil milhões de euros em 2007, cinco anos depois, em 2012 chegou a valer cerca de 500 milhões de euros, uma desvalorização de mais de 15 mil milhões de euros para os acionistas. O BES desvalorizou apenas cerca de 1/3 disto. E podia dar aqui outros exemplos similares, mas este é paradigmático. Qual é então agora a grande diferença no caso do BES. Quanto a mim existem duas grande diferenças: 1- A duração da correção em tempo mínimo record. O BES fez um AC há cerca de dois meses, aparentemente ficou muito bem capitalizado, valia cerca de 5 mil milhões de euros, e em pouquíssimo tempo faliu; 2- O facto de ter significado uma perda total, levando inclusivé ao fim das negociações do título em bolsa. No caso do BCP terá havido certamente muitos acionistas que perderam mais do que agora no BES, mas foram perdendo ao longo dos anos, e a maior parte deles ainda tem a esperança de um dia recuperar o que perdeu, alguns deles eventualemente conseguirão, se aumentaram  significativamente as suas posições quando o BCP bateu no fundo e se o banco continuar a recuperar. Comparando estes casos sinceramente até acho que é preferível o que aconteceu agora com o BES do que aquilo que aconteceu com o BCP. O choque agora é muito maior mas penso que, na maioria dos casos, será preferível à "morte lenta" que significou os 5 anos de queda do BCP, com todos os efeitos nefastos que isso provoca no investidor que mantém a esperança de um dia recuperar. No caso BES o choque deve ser brutal, dependo da exposição e capacidade de encaixe de cada um, mas, para muitos, isso significará o precipitar de um novo ciclo que, para além de adiado,  ficaria mesmo comprometido se as coisas se arrastassem por anos como aconteceu no BCP. Conheço pessoas que ainda hoje têm ações do BCP mas nunca mais quiseram saber de bolsa, apenas me dizem, "sim ainda as tenho lá, nem sei quantas, nem quanto valem"!

Muito se falou já de que deveriam ser transmitidos nas escolas alguns ensinamentos básicos sobre investimentos. Há dois ensinamentos muito básicos que, se seguidos, certamente não seria dramático para ninguém aquilo que está a acontecer, seria difícil mas não dramático:

1- Colocar em aplicações de risco apenas o capital que, se o perdermos na totalidade, não precisaremos dele para nenhuma das despesas fundamentais;
2- Colocar no máximo 1/3 deste capital numa mesma aplicação;

No fundo todos sabemos disto, mas quando as coisas estão a correr bem acabamos por descurar princípios básicos. E isso é muito perigoso, este caso do BES mostrou-nos isso com nitidez.